Solitude e Solidão da mulher negra: um olhar sobre a sua subjetividade desde a infância
Por: Marcela Lima e Julia Vilas Boas
Conversamos com cinco mulheres negras que residem em Pelotas sobre as suas experiências de solitude e de solidão. Com idades e realidades diferentes, elas falaram sobre seus sentimentos e perspectivas, nos conduzindo em um exercício de reflexão sobre a solitude e a solidão da mulher negra.
A você, que ama uma mulher negra, espero que reflita ao ler e ver esses relatos sobre como essa mulher por mais confiante, forte, decidida que pareça ser, desaba em inseguranças que começam na infância e vão se espalhando durante o resto da vida. Sentir-se sozinha, abandonada, rejeitada, preterida, é algo diário na vida das mulheres negras. Ser sozinha, dá margem a sentimentos ruins como o auto-ódio e a vontade de não socializar, não se abrir para as possibilidades de deixar alguém te escolher, caindo assim, mesmo sem saber, em reclusão e solitude.
Solitude da mulher negra é quando ela imerge em si mesma, se recolhe e sana a solidão com seus próprios sentimentos, entendimentos e dores, gerando contradições para proteger-se. Solitude ao contrário de solidão configura-se como um estado de escolha e consciência (mesmo que algumas mulheres possam estar em solitude sem saber).
Assim, a mulher negra vai sendo colocada sempre em um lugar secundário, sem muita atenção e cuidado. É aqui que devemos nos atentar no resgate histórico para podermos entender como são construídas as afetividades e escolhas na nossa sociedade até hoje. Quando nos dispomos a pensar sobre o amor afetivo, sobre sermos aceitas por outros seja em qual situação, idealizamos uma ideia de alguém que queremos, e a mulher negra geralmente não está inclusa nessa idealização.
Naiane, 26 anos, sentiu auto-ódio na infância por ser negra e gorda, alisava o cabelo desde os 5 anos de idade e até hoje tem vergonha do seu cabelo natural. Luciane, 41 anos de idade, se sentiu injustiçada pela primeira vez quando se percebeu como a única negra da sala e a professora obrigou os colegas de aula a andarem com ela na hora do recreio. Thaíse, 38 anos de idade, estudou em escola particular desde pequena e se sentiu sozinha pela primeira vez por volta dos 4, 5 anos quando questionou a sua mãe: “porque tu me fez dessa cor e com esse cabelo?”. Eva, 62 anos de idade, cresceu durante o período da ditadura em meio a famílias de japoneses, alemães e negros e o trato familiar era: “somos negros e não somos inferiores a ninguém!”. Veridiana, 33 anos de idade, tenta não reproduzir com a sua filha coisas que viveu na sua infância e não achou correto “estou criando uma mulher negra para enfrentar um mundo diferente”.
Esses fragmentos de histórias são reais e se passam na vida das mulheres negras que vocês verão nessa reportagem. Histórias assim raramente apareceriam na televisão ou nas redes sociais, pois nesses espaços, estão estampadas mulheres negras felizes, com corpos objetificados, fingindo estarem inseridas na sociedade de forma justa, sem sentimento de insegurança, solidão, desamor e preconceito.
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Mas eu acho assim, que eu começo a deixar de ser uma pessoa solitária pra transformar a minha solidão em solitude quando eu consigo compreender o significado de ser uma pessoa negra. Assim, aí quando eu começo a fazer leituras, leituras mesmo sobre ser mulher negra eu vejo sim que minha experiência não é so minha e embora eu nunca tivesse conversado com as pessoas eu comecei a conversar com as autoras, né, e isso começa a me dar uma, um significado pra minha solidão que eu não compreendia, porque antes eu achava que eu tinha um problema de convívio com as pessoas. Então eu tentava ser agradável, eu tentava, e a sensação que eu tinha era que eu sempre tava errada. Se eu tava agradável eu podia ser interpretada como vulgar, se eu ficava um pouco mais reclusa "ai é arrogante" então sempre ficava aquela coisa que... e eu tentava entender do tipo: onde é que tá o meio termo disso? porque parece que eu to sempre errada, sabe?
E é quando eu começo a ler coisas sobre mulheres negras aquilo foi assim... foi tirar com a mão, então assim... na medida que vou tomando consciência racial, é tirar com a mão mesmo, assim, foi tirar com a mão a minha dor.
OLHANDO DA JANELA PARA DENTRO
Depois de refletir acerca da solidão, estar só e sentir-se só, não ser amada, não estar inclusa, buscamos observar o que acontece com aquilo que começamos a perceber com as informações que esses termos nos trazem e a reparar as transformações que elas fazem dentro de nós. Durante a entrevista, Veridiana relatou: “eu me vejo múltipla, em dimensão de sentimentos e sensações e por ora, eu não consigo dar uma definição sobre mim, do que sinto e o que farei com isso”. A luta da mulher negra pela sobrevivência diária, a faz refém de si mesma e de como as coisas do mundo a afetam. Que mulher é essa que está sozinha agora? Ela já se sentiu assim antes? Que sentimento fez com que ela preferisse se isolar? Ela percebeu que está só? “Uma mulher negra diz que ela é uma mulher negra. Uma mulher branca diz que ela é uma mulher. Um homem branco diz que é uma pessoa.” Grada Kilomba
Olhar-se como espectadora da sua própria história, parar em frente a uma janela e observar o que se passa dentro. Tentar avaliar como se estabelece o nosso processo de consciência individual, quando me excluem e me fazem sentir sozinha, como luto pra que esse estado não me deixe estacionada nas coisas do meu cotidiano? Quando olhamos para dentro e para o caos que somos, importa a nossa cor?
Thaíse Farias - Psicóloga
Naiane Ribeiro - Professora de dança
Eva Santos - Assistente social aposentada
Veridiana Cardoso - Assistente Social
Luciane Gianini - Professora de Odontologia
Confira a descrição das imagens
Thaíse Farias - Selfie acima do peitoral de uma mulher negra, magra, com cabelo crespo solto, sorrindo, usando um óculos marrom e preto, colar colorido e blazer branco.
Naiane Ribeiro - Foto do busto para cima de uma mulher negra, com braços tatuados, usando tranças pretas, colar colorido e regata preta. Naiane está num sofá cinza sorrindo.
Eva Santos - Selfie acima do peitoral de uma mulher negra, idosa com cabelo curto grisalho, usando brincos, batom e camiseta vermelha, esboçando um sorriso discreto.
Veridiana Cardoso - Foto do busto para cima de uma mulher negra apoiada em uma mesa segurando uma xícara. Veridiana está sorrindo, posando para a foto e usa tranças pretas, colar dourado, blazer rosa e camiseta lilás.
Luciane Gianini - Selfie do busto de uma mulher negra com cabelos lisos pretos na altura do ombro, vestindo uma camiseta preta com bolinhas brancas, relógio prata e batom rosa. Luciane está sorrindo com a mão abaixo do queixo.
PRIMÍCIAS: INFÂNCIA/ESCOLA/PRIMEIROS CICLOS
O Brasil é um país que limita o povo negro e isso é inegável, dentre tantas privações que deixam marcas ao longo da vida da população negra está o descaso com a boa infância e as diversas formas de negação de acessos igualitários que se apresentam desde à infância e traçam a história de quem é negro nesse país desigual. O percentual de negros assassinados no Brasil é 132% maior do que o de brancos, revela pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, intitulada Vidas Perdidas e Racismo no Brasil.
Veridiana Cardoso Leal, é uma mulher negra que resiste, tem 33 anos, é mãe de uma menina de 4 anos e vive em união estável desde 2014. Formada em Serviço Social, escolheu trabalhar com pessoas pois carrega uma boa oratória, uma vontade de mudar a realidade das pessoas e fazer por muitos o que não teve a oportunidade de ter. Ela reside em um bairro da periferia de Pelotas, afastado do centro, calçado de chão batido, regado de crianças correndo, brincando, exercendo a “infância feliz”, mas para ela, fragmentos da infância deixaram marcas profundas de preconceito, negação e desigualdade.
Ao exercitar a memória e buscar relatos da sua história, ela lembra de um fato duro de aceitar, porém necessário de ser contado:
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Eu, me veio uma memória assim na minha mente e até quando eu tava... quando fui convidada para conversar com vocês, essa memória é a primeira que me vem na mente: do meu primeiro dia de aula, quando eu tinha 6 anos de idade. Cheguei para conhecer o mundo, vamos ver assim, fora da perspectiva das quatro paredes da minha casa, e literalmente só tinham quatro paredes. E aí eu vou conhecer outra vivência entrar no mundo ali da escola... e eu nunca vou esquecer que quando eu cheguei eu cheguei eu acho que alguns minutinhos depois ele tava tendo uma atividade recepção e aí todas as crianças estavam de mãos dadas e eu cheguei por último. E aí quando eu cheguei eu fui entrar naquela roda, porque afinal de contas eu tive entendimento que aquilo ali agora minha realidade, e era. Então quando eu fui entrar na minha roda, mãos se apertaram, não aberta aquela roda para mim. E aí eu fui eu fui numa dupla tentar, a mão ficou firme ali. Fui do outro lado... teve uma menina que disse assim "vem aqui" e a gente se tornou melhores amigas, e até hoje, mais de 20 anos depois, a gente tem contato. Então aquela realidade, me chocou muito, só que na época não sabia o que significava aquilo. Na época eu não tinha percebido que eu era diferente. Eu não tinha tido essa noção, porque eu vivia no mundo de iguais, eu vivia na minha casa. Aí quando eu fui entrar uma nova realidade. Eu me choquei diretamente, eu já tive uma experiência nada legal. E aí quando tive aquela negação de entrar de verdade naquele meio, aquilo me chocou, mas eu não sabia de fato o que tava acontecendo ali.
Em função de duas forças que evidenciamos neste relato: gênero e raça, a rede de proteção em torno da criança, como idealiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), um bom “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social” se depara, na prática, com um ambiente marcado por desigualdades sociais, que refletem no comportamento das crianças brancas mesmo que de forma indireta e que já na seara da escola, onde deveria ser colhido direitos igualitários, acessos diversos e acolhimento, se transforma em um dos primeiros lugares de negação à criança negra. Ali, pela primeira vez, Veridiana se sentiu negra e sozinha. Por mais que seja oriunda de uma família predominantemente negra, os atravessamentos sociais chegaram quando o ciclo familiar se abriu e ela foi para o meio escolar, disputar o seu espaço no meio social, com crianças de outras cores e classes sociais.
Thaíse Mendes Farias, tem 38 anos, é psicóloga especialista em psicologia e sexualidade, se denomina uma mulher negra e negra feminista e não feminista negra, pois primeiramente o que a perpassa é a raça. Ela se percebeu negra e solitária desde cedo, aos seus 04 anos de idade.
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Eu com 2 anos fui estudar numa escola só tem pessoas brancas, escola particular, e aí com 4 anos teve um dia que eu cheguei da escola, eu era uma criança assim muito falante, sabe aquela criança bem alegre, bem falante, que gostava de dançar na frente da televisão, de brincar de teatro, muito assim né. E aí cheguei em casa um dia, muito triste, fui direto pro meu quarto, sentei na cama e não conversei com ninguém, aí minha mãe achou muito estranho porque eu não era assim, eu sempre chegava muito falante, e ai eu tava sentada na cama com as mãos assim, né, bem pequenininha, e a minha mãe chegou e disse assim "que que foi minha filha?" "o que que houve na escola? como é que foi teu dia?" E aí eu disse assim "a solidão me pegou, mãe" eu usei essa frase com quatro anos, "a solidão me pegou", uma frase muito forte né? pra uma criança muito pequena. E aí minha mãe ficou "como assim o que que tá acontecendo, como assim a solidão te pegou?", e aí eu comecei a falar, comecei a xingar minha mãe e comecei a dizer assim pra ela "porque que tu me fez dessa cor, com esse cabelo" e aí comecei a chorar copiosamente, chorar, chorar e chorar, e aí minha mãe me disse, minha filha que cor tu queria ser, olha teu pai e olha pra mim. E aí né eu falei que era muito ruim, que me chamavam de neguinha bicolor na escola porque tenho sinal no rosto, que na época quando eu era criança era muito mais claro. Então, eu nasci com sinal de nascença, uma mancha que ela era muito mais clara, então hoje quando eu converso com as pessoas ela não aparece, mas quando eu era criança minha pele era mais escura e a mancha bem clara, até se cogitou que pudesse ser vitiligo, mas não era e depois conforme fui crescendo ela foi emparelhando um pouco mais mas ela ainda é presente quando eu tô de lado, mas antes era muito forte, e aí me chamavam de neguinha bicolor no colégio, diziam que eu não podia tocar nas coisas que elas iam pegar preto, passavam na minha frente na hora da merenda, era toda uma função, né. Eu tinha pouquíssimas pessoas que brincavam comigo e aí então era isso, eu era a única criança numa escola particular cheia de crianças brancas filhas da classe média alta pelotense.
Thaíse conta que em uma medida de tentativa de proteção de sua mãe, para diminuir a violência sofrida na escola, mudou de escola. Nesse novo ambiente, embora de maioria branca, ainda havia um colega negro, um menino, mas que também era facilmente trocada pelos outros meninos brancos.
Pressupomos então que a definição do conceito de solidão, considerando mulheres negras como sujeitos mais suscetíveis a essa experiência que é individual, coletiva e afetiva, pois faz parte de uma construção histórica, social e política que envolve a dimensão de gênero e étnico-racial. Quando as mulheres escolhem pela solitude, não se sentem mal ao ficarem sozinhas, conseguem ser felizes na própria companhia, que é um momento diferentemente da ‘solidão”, não caracteriza algo ruim, e sim um período necessário para que o indivíduo se comunique consigo mesmo.
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E também mais uma vez, eu era a única menina negra dentro de uma sala, era eu e outro rapaz negro, era eu e um guri e o resto era todo mundo branco, mas o que que acontece, o menino negro ele fazia uma certa parceria com os meninos brancos nos esportes, então eu ficava assim, se ele tivesse que se juntar com os meninos brancos e me deixar eu ficava desamparada, assim, então eu ficava um troço assim... esse menino negro não me ofendia, não me fazia ofensas raciais mas ele também não fazia nada pra estar do meu lado porque ele tinha coisas a perder. E assim, eu não julgo isso assim... a não, o homem negro não abandona a mulher negra... eu acho que ele fez o que era possível, ele tinha uma certa vantagem em relação a mim, ele também era uma pessoa muito solitária naquele meio e como é que seria nós dois contra uma sala inteira, porque fica essas coisas assim... ele fez o que foi possível, se ele teve um pingo de sossego que era lá jogando futebol com os guris e eu ficava ali né, e depois claro eu tinha na sala de aula duas amigas que eram meninas brancas que eram mais minhas amigas assim, que também eram as meio rejeitadas da turma e então ficava nessa dimensão assim.
PERCEBER-SE: VÁRIAS MULHERES VIVEM EM MIM
A escritora bell hooks utiliza a frase “aprende-se a olhar de um certo modo para resistir” como uma mulher negra percebe o seu corpo no mundo e tenta se adaptar com o que é tido como possibilidade de acessos para ela?
Luciane Gianini, 41 anos, mulher negra, professora de odontologia da Universidade Federal de Pelotas, reside no centro da cidade e segundo ela, “é difícil dizer quem a gente é, somos uma complexidade de seres dentro de um ser só”.
“A mulher negra é a mula da sociedade”, por vários anos perpetuamos esse imaginários social de que é tudo relacionado ao racismo e a destruição, que faz com que a mulher negra se sinta inferior mesmo adotando ao longo da vida diversas facetas (mudando de cabelo, tendo estilo diferenciado) a mulher negra sempre carrega o peso de ser a que representa, em um espaço, ela não é apenas uma mulher, é a mulher negra que está ali representando uma pequena parcela de pessoas.
“quantas coisas eu passei e não percebi que era racismo? e quantas coisas ainda passo por ser uma mulher preta?”
Naiane
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E aí entra uma coisa que é muito louca que é tipo assim, eu tenho uma insegurança gigante com homens negros, pra sair com homens negros, e com homens brancos já não é tanto porque, pra mim existe uma coisa que é assim, um homem branco ele te objetifica, entendeu? Mas ele tem um quadrante (...) é a mulher negra objetificada, o homem negro não, principalmente o homem negro atual, que eu digo que é o homem negro, como muitos né, que tem essa pegada de querer se mostrar racializado nas redes, no primeiro encontro (...) eu digo que no segundo copo de cerveja que o cara se mostra machista da porra, que não entende porra nenhuma de raça (...) ele já tem uma.. um padrão de mulher preta, sabe? tipo, ele tem várias, essa mulher preta é o padrão pra mim, porque é o cabelo assim, a bunda assim, ele te objetifica também, mas ele te diversos tipos de mulher negra na cabeça dele. E aí eu fico pensando, qual desses padrões eu to nessa cadeia dessa criatura, entende? tipo, porque eu não sou uma mulher negra padrão, eu não sou uma mulher negra do rabão, coxão (...) do cabelo definido, eu sou a outra mulher negra, e até que ponto é essa mulher que ele tá buscando se relacionar, entende?
Então eu sempre fico muito insegura quando vou sair com homens negros porque... e hoje mais ainda porque eu acho que tive muitas experiencias de sair com homens negros que me objetificaram demais, né. E aí muito entra nesse contexto da dança, muito mesmo, porque é um espaço que naturalmente os caras já te colocam nesse (...) porque você fica o tempo inteiro dançando... eu digo pra eles né, e eu tive muito mais essa, esse questionamento e esse olhar que eu tenho hoje de me sentir muito mais objetificada por homens pretos do que por homens brancos.
SOLITUDE OU EXCLUSÃO?
Onde que se escolhe estar sozinha? Escolher estar sozinha é um estado de espírito que se conquista, esse processo vem permeado de dor, Thaíse explica, como psicóloga, que entender o que é ser uma mulher negra, entender a solidão que é imposta às mulheres pretas, e se valorizar no nível de não aceitar migalhas de afeto da branquitude, racismo e violência mascarada de compaixão. Ser auto suficiente para lidar com a solidão, mesmo quando acompanhada, é enfim chegar ao estado de solitude, e de fato, escolher estar sozinha, mas acompanhada de si mesma.
Ela conta que a experiência de ser assumida dentro de um relacionamento a deixou com uma dualidade “se tornou algo bom e uma prisão pra mim, teve uma época que meu namoro não estava bom e eu tinha medo de terminar e nunca mais ser amada novamente e acabar o resto da vida sozinha, eu não estava mais afim de namorar e não conseguia terminar o namoro por solidão”
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Mas eu acho assim, que eu começo a deixar de ser uma pessoa solitária pra transformar a minha solidão em solitude quando eu consigo compreender o significado de ser uma pessoa negra. Assim, aí quando eu começo a fazer leituras, leituras mesmo sobre ser mulher negra eu vejo sim que minha experiência não é só minha, e embora eu nunca tivesse conversado com as pessoas eu comecei a conversar com as autoras, né, e isso começa a me dar uma... um significado pra minha solidão que eu não compreendia, porque antes eu achava que eu tinha um problema de convívio com as pessoas. Então eu tentava ser agradável, eu tentava, e a sensação que eu tinha era que eu sempre tava errada. Se eu tava agradável eu podia ser interpretada como vulgar, se eu ficava um pouco mais reclusa "ai é arrogante" então sempre ficava aquela coisa que... e eu tentava entender do tipo: onde é que tá o meio termo disso? porque parece que eu tô sempre errada, sabe?
E é quando eu começo a ler coisas sobre mulheres negras aquilo foi assim... foi tirar com a mão, então assim... na medida que vou tomando consciência racial, é tirar com a mão mesmo, assim, foi tirar com a mão a minha dor.
O antropólogo baiano Thales de Azevedo, pesquisou relacionamentos inter-raciais em Salvador na década de 50. Ele constatou que quando um rapaz se casava com uma moça, este era “adotado” pela família da noiva. No caso dos rapazes negros que se casavam com mulheres brancas, estes ascendiam socialmente ao integrar-se à família da esposa branca ou clara; enquanto o homem branco, que se casava com mulheres negras, “descia” na escala social ao integrar-se à família destas. Ele ainda conclui que a “mulher de cor” está mais exposta ao preconceito sendo negada ao afeto pelos homens, não tendo o direito de escolher com quem quer se relacionar. Thaíse vive um relacionamento inter-racial há anos e mesmo sendo racializada entende que ali existe amor, no entanto ainda assim, não existe a totalidade de entendimento das questões do que uma mulher negra sente por parte do seu parceiro “não que ele não fosse um bom companheiro, mas tinha algo que era inapreensível ele não tinha condições de entender e que era muito meu…o afeto dele não conseguia tocar um lugar meu”, diz Thaíse.
Devemos considerar que sentir-se só nem sempre está atrelado a relacionamentos afetivos, mas também na ocupação de espaços, nas amizades, na faculdade, no local de trabalho, enfim… ser uma das poucas mulheres negras a ocupar lugar de relevância nesses espaços é também uma forma solitária e de exclusão pouco falada.
“Em todo o lugar em que eu não gostaria de estar, eu preciso estar” Luciane relata com lágrimas nos olhos sobre como foi estudar em um Estado extremamente racista como Santa Catarina, para poder buscar o mestrado tão sonhado. O enfrentamento é solitário e a primeira atitude que geralmente uma mulher negra tem é desistir e corroborar com o imaginário social de que a mulher negra não conquista nada porque não quer “Eu sou uma mulher negra e carrego em mim a imagem do fracasso por conta da marca que a sociedade nos impõe” diz Luciane.
“Eu quando entro na universidade, eu não tenho mais amigos negros”, relata Eva, de 62 anos, assistente social aposentada, ela relembra que em seu tempo de ensino médio tinha amigos negros, mas quando entra no ensino superior se depara com outra realidade.
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Que é quando... eu quando entro na universidade, eu não tenho mais negros ne, então aquilo que eu ainda tive ate o ensino médio, que foi amigos e amigas pretos, embora fossemos maioria, a gente era tipo 40 ou 50%, 30%, dependia do grupo. Quando eu entro na universidade, o curso de Serviço Social, eu acho que era eu e mais duas ou três mulheres, que se dizia negra era eu, que tinha que enfrentar aquele ranço que é "não mas tu não negra, tu é moreninha". Então.. mas eu digo, tá? "Mas isso não é tu que define a minha cor, minha cor eu autodeclaro", nem existia autodeclaração... dessa cor, ter o direito de se autodeclarar. Não, é... eu acho que de fato assim, seja na adolescência, na idade adulta, na velhice, que ai vai somando os encabeçamentos, e eu já tô entrando numa idade que já vou dizer, uma idade de velhice, então isso tudo é muito atravessado, agora, a camada... neste país que a gente vive, um dos determinantes é a questão racial.
“O maior amor de uma mulher negra, é o de outra mulher negra. Não que a gente não consiga amar outras pessoas, mas é o amor que surge na dororidade. É o amor que surge da experiência de dor compartilhada, onde tu olha no olho da outra e já entende tudo”
Thaíse.
NEGAÇÕES QUE IMPULSIONAM
Naiane Ribeiro, tem 26 anos, é professora de dança e licenciatura, tem o seu próprio estúdio de dança e faz mestrado em memória e patrimônio. “A arte e a dança me tiraram de um lugar triste da minha vida e me fizeram me reconhecer como uma mulher negra”. Em relações afetivas sempre me relacionei com pessoas brancas mesmo nunca tendo colocado isso em foco, mas fui perceber isso muito recentemente após fazer o exercício de racializar a minha vida inteira “quantas coisas eu passei e não percebi e quantas coisas ainda passo por ser uma mulher preta?”
“Eu sempre levei as coisas para o lado da rejeição, depois que passei a entender que as pessoas podem me dizer não. Que eu também posso dizer não e que posso além, posso decidir estar sozinha” Naiane aponta que já se pegou por vezes tentando impressionar pessoas se comparando com mulheres brancas. “O sentir-se só também passa de geração a geração, por repetição, por ausência de outros modelos e por incorporação de padrões de comportamentos que registram na massa cinzenta e condicionam os indivíduos.” Fabiane Albuquerque.
Eva, em contrapartida, já entende de forma diferente o “não”, para ela saber dizer não é sobre respeito, e não rejeição. Ao relembrar os locais que já trabalhou, ela comenta que aos 14 anos quando trabalhou em uma loja, pediu demissão após uma mulher branca e rica pedir para que ela cuidasse a filha durante seu expediente.
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E aí o que foi mais determinante pra desistir do comércio era que a família tinha uma criancinha, um neném, então enquanto eu estava no meu local de trabalho, no meu horário de trabalho eles pediam pra eu cuidar da criança, né. E aí eu disse "não, não, sou babá", e não é porque eu não ache que babá não é um trabalho, é que pra mim assim, gurias, eu sempre fui muito indignada e eu acho que são nesses lugares que o racismo vai acontecendo e é nesses lugares que a gente tem que aprender a dizer "não". Claro, tem as coisas que nos comovem, hoje eu não tinha vontade de nem de acordar, sabe, pelas coisas que vem acontecendo, de chacinas e assassinatos inomináveis. E aí imagina aos quatorze anos uma negrinha dizendo pra sua patroa e pro seu patrão que não cuidaria do seu neném, né, porque eu era balconista, não era babá. E aí aquilo foi uma vez e eu disse pra minha mãe "eu vou pedir demissão" e ela disse "pede".
Segundo Naiane, quando finalmente teve contato com a terapia, foi que percebeu seus traumas em relações, como lida com esses sentimentos de preterimento e o quanto a dificuldade de se relacionar a deixou reclusa para se abrir ao amor novamente. Decidiu então direcionar o foco no trabalho e investiu na sua própria academia de dança e hoje cursa mestrado que sempre foi o seu grande sonho.
Veridiana relata que antes de chegar ao serviço social, ela teve vários caminhos que tentou percorrer e se encaixar e que antes de adentrar lugares que realmente foi acolhida, sentiu auto-ódio por não achar que era capaz de ter sucesso e se incluir nessas outras realidades.
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E aí foram... foi a terapia, fui pra terapia e passei a entender que eu não tinha a necessidade de depender das pessoas porque eu tinha muita... eu criei uma coisa e ai eu percebi que já tava nesse ciclo a um tempo mas não percebia que era, se eu não tivesse alguém eu não tava feliz, eu tinha que ter alguém e essa felicidade ela dependia dessa pessoa. Então assim, a minha autoestima dependia dessa pessoa, essa pessoa tinha que me fazer feliz, essa pessoa tinha que me achar bonita, tinha que me achar perfeita. Aí tá, eu me achava, gostava do meu cabelo, gostava de mim e tal, se não, aí já era o contrario. Então eu fui criando muita uma... colocando minha felicidade em outras pessoas e mesmo que eu sempre dissesse que eu sempre criei muito essa coisa ai "ai eu sou muito independente (...)" mas não era, sabe? muito pelo contrário, eu era muito dependente mesmo, e principalmente colocava tudo, projetava todas as coisas boas da minha vida pra essas pessoas, entende? em qualquer pessoa que entrasse na minha vida minha vida estaria projetada lá. Porque eu era, sou ainda, uma pessoa muito carente, mas eu tenho um medo muito constante de ser rejeitada, sabe, constante mesmo e é muito com certeza da rejeição que eu tive do meu pai, dessa figura masculina. E aí hoje eu percebo que essa minha insegurança que muitas vezes atravessa diretamente a minha solitude e que me deixa mais vulnerável, porque eu me vejo muito... o tempo inteiro com medo, tanto que hoje eu evito muito me relacionar porque eu não quero ser aquela (...) de novo, que tinha uma armadura de ser forte, porque eu tenho muito isso na cabeça, que eu precisava sempre ser essa pessoa e tenho até hoje, apesar de tentar desconstruir, mas eu... mas aí quando eu começo a me relacionar com uma pessoa eu coloco essa armadura no lixo, sabe? e aí tipo "eu sou um bebê, cuide de mim."
A DOR EM NÚMEROS
“Do racismo, ninguém passa em branco” -
Eva Santos
Da vida pessoal à vida pública, como cita Thaíse em sua fala, a mulher negra se vê isolada, segundo a pesquisa realizada nos anos 2016 e 2020, pela organização Mulheres Negras Decidem (MND) atualmente apenas 3,9% das prefeituras do país possuem mulheres negras no comando. Não apenas refletindo a “não escolha” popular por lideranças femininas negras, mas também refletindo um abismo na ocupação dos espaços de poder.
A cada 100 prefeituras, apenas 3 possuem prefeitas negras no Brasil.
É preciso encarar de frente o fato de que o racismo estrutural impregnado na nossa sociedade apunhala a mulher negra pelas costas. Não dá para ter indignação seletiva e é urgente que a branquitude discuta sobre racismo pela perspectiva das pessoas brancas. A mulher negra não integra espaços como esses pois raramente tem apoio quando decide escolher por esses caminhos.
A baixa (ou quase nenhuma) representação das mulheres negras nos espaços de poder e decisão – notadamente na política – é fator que guarda relação direta com a persistência de uma concepção universalizante do lugar de representatividade que essa mulher exerce na sociedade, evidenciando as diferenças. Nesse sentido, a inclusão de mulheres negras é medida imprescindível para a abertura de espaços que garantam diversidade e, com isso, a perspectivas epistemológicas necessárias para a construção de equidade de gênero e raça, em contraposição aos padrões epistemológicos brancocêntricos que endossam o racismo.
A extrema desigualdade social (e racial) escancara a solidão das mulheres, segundo o censo do IBGE em 2019 as famílias formadas por mulheres pretas, sem cônjuge e com filhos menores de 14 anos representa 24% das famílias que vivem com um rendimento inferior a US$ 1,90 per capita, e 62,4% com renda inferior a US$ 5,50.
Se você não enxerga os negros como pessoas (independente do colorismo), não tem como dar a eles a possibilidade de construir qualquer tipo de relação. E para a mulher negra, negada em diversas áreas da vida e preterida afetivamente tanto pelo homem negro quanto pelo branco, sem falar também por mulheres negras em relacionamentos homossexuais, só resta viver o próprio amor. E por falar em colorismo, quanto mais preta a preta é, mais sozinha a preta fica.
A grande questão é que a nossa resistência física e mental ainda é uma ideia projetada dentro da sociedade, principalmente pelas tantas lutas diárias vencidas por mulheres negras que trazem ideia de guerreiras e que temos força, assim, muitos homens acreditam que somos fortes o tempo todo, e nos tratam como se não precisássemos de cuidado tanto quanto as outras mulheres.
Se pensarmos que 20% da causa da morte de negros pode ser atribuídas a características econômicas. Os outros 80% correspondem a quê?
Nesses relatos, temos histórias de mulheres negras de idades diversas e que tiveram a possibilidade de cursar uma universidade, tiveram proximidade com os termos "feminismo", " dororidade"," racismo estrutural", tiveram a chance de viver experienciais além do seu próprio lar... Mas e as mulheres negras que não tiveram essas mesmas oportunidades? Será que enxergam que estão em solitude e solidão?
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E eu costumo dizer que infelizmente. não admitir essa posição me fez até fazer algumas mentirinhas, mesmo eu repudiando a mentira, eu não queria dizer "hoje eu não quero porque eu tô triste", "hoje eu não quero porque eu tô mal para caramba". Então, eu dizia "aí hoje eu não posso eu tenho que ajudar minha mãe a fazer tal coisa", "não hoje eu não posso, eu tenho tal atividade para fazer", mas não tinha nada. Eu só não queria porque eu não queria mostrar a forma que eu tava. E aí como eu disse assim, eu fui me entender quando esse casulo porque eu vou falar assim para você, não é só questão de não demonstrar para o outro entre quatro paredes eu também não queria... Eu não chorava. Eu tava triste, mas "ai não, chorar não posso" eu dizia isso para mim que chorar é fraqueza. Então além de não demonstrar para o outro, nem o momento mais secreto eu chorava, eu ficava em silêncio olhando para o teto até que chegou o momento que toda lágrima aqui dentro, toda angústia, toda frustração ela tinha que sair pra fora e tinha que gritar, então ela gritou de pior forma.
ENFRENTAMENTOS QUE PERMANECEM
As reivindicações feministas por emprego e pelo fim do mito da fragilidade feminina jamais contemplou mulheres pretas, tanto que existe O dia 25 de julho (dia da mulher negra, latino-americana e caribenha) além do dia 08 de março, por isso, a construção do conceito proposto pela pesquisadora Vilma Piedade, pois as relações de sororidade parecem precisar de Dororidade. “Um contém o outro, assim como o barulho contém o silêncio. Dororidade, pois contém as sombras, o vazio, a ausência, a fala silenciada, a dor causada pelo Racismo. E essa Dor é preta”. Para ela, enquanto os valores civilizatórios das mulheres pretas não forem incorporados nas ações e práticas feministas é impossível falar em interseccionalidade. Então é preciso falar de racismo, pois racismo mata.
Não que esteja sendo proposto um conceito diferente de sororidade ou que esse termo tenha significância menor. A inquietude atinge as classes oprimidas e isso abarca diretamente as mulheres negras e suas dores na solidão, solitude e preterimento. A professora Luciane questiona se às vezes escolhe conscientemente ou inconsciente para se colocar em solitude e em solidão, “nos sobra essa intersecção de não existência, esse lugar que nós não somos ouvidas em lugar nenhum e a única pessoa que consegue entender, de fato ouvir e sentir o que a gente sente de fato é uma mulher negra”
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Bós trazemos muito a questão de que nós nunca somos representadas, senão por nós mesmas, né? Então, lá dentro do movimento negro, tem os negros homens negros e os negros mulheres e os negros homens são mais ouvidos porque eles são homens e dentro do feminismo tem as mulheres e as mulheres negras, as mulheres brancas são mais ouvidas, porque elas são brancas. E para nós tem essa intersecção no lugar de não existência, de um silenciamento que nós não somos ouvidos em lugar nenhum e a única pessoa que consegue entender de fato ouvir e sentir uma mulher negra dizendo é outra mulher negra, não consigo... para mim é muito difícil, pelo menos as pessoas com quem eu me relacionei não só relacionamento afetivo, mas de amizade. Quando eu tenho uma conversa com um homem negro parece que a totalidade do discurso ela não é absorvida, assim como quando eu tenho uma conversa com mulher branca, parece que falta essa intersecção. E é absurdamente crítica e eu acho que é o ponto que nos liga pelas dores, muitas vezes, mas é o ponto que também nos faz compreender umas às outras e dar suporte umas às outras mesmo quando os demais eles não entendem.
Como fechamento de tudo o que nos transpassou, Eva nos deixa com uma reflexão forte quando pontuou: "Como que eu radicalizo a minha solitude vivendo sozinha em um mundo que não te dá permissão de reconhecer que as mulheres têm direito de andar sozinhas? É quase um delírio dizer que as mulheres negras são solitárias, sem olhar a questão da chacina que afeta a população negra, principalmente os homens negros nesse país? Se o sistema mata 30 ou 40% da juventude negra a quem essas mulheres dessa mesma faixa etária irão se relacionar?”
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Então tem umas coisas assim, como é que eu radicalizo minha solitude, viver sozinha num mundo que não tem não te dá permissão, como vivendo num lugar de patriarcado exacerbado, que é o caso do Brasil, de reconhecer que a mulher tem o direito de andar sozinha. Então eu acho que isso pra mim é um (...) tá, não é que seja... é quase que um delírio dizer que as mulheres negras são solitárias, eu acho que tem uma solidão, tem milhares de coisas ali. O abandono das mulheres negras sem o olhar em questão da chacina em relação aos jovens negros ela é falsa, porque se tu mata 30 a 40% da juventude negra nesse país é isso, há uma dizimação a quem as mulheres dessa mesma faixa etária vão se relacionar.
O Brasil da forma em que ainda está estruturado não nos deixa refletir sobre o feminismo negro e suas pautas urgentes o racismo é um problema dos brancos e cabe a eles reconhecer e resolver. Se ainda precisamos evidenciar adoecimento, abandono, falta de afeto e acolhimento é porque muito ainda há de ser feito. Talvez as mulheres negras sejam mantidas sozinhas e silenciadas porque operam na construção de uma máscara simbólica que silencia esse discurso. Tudo o que essas mulheres relataram nas entrevistas e que vivem reprimindo diariamente alienando suas experiências e vivências desde a infância até a sua vida adulta, age como as máscaras que silenciavam os escravos. Trazemos heranças afetivas que nunca quisemos cultivar.
Aqui uma atenção para pessoas que se relacionam e amam mulheres negras nas diversas formas que elas merecem: Aos homens negros que amam mulheres negras: as dores são parecidas, as coisas que as cercam também pertencem a vocês. Se protejam, protejam elas, entrelacem os dedos e sigam juntos.
Aos homens brancos que amam mulheres negras: talvez vocês nunca cheguem a compreendê-las de fato, deve haver respeito e aceitar as vivências dessas mulheres como legítimas. Tentem desacelerar do ponto de partida privilegiado de vocês e não apenas as olhem com desejo, mas com amor e carinho.
Às mulheres brancas que amam mulheres negras: vocês não conhecem por inteiro a negação de afetividades, não diminuam as dores, não se igualem nunca por maior que sejam as dificuldades semelhantes que tenham. Apenas possibilitem o amor, da forma mais profunda e verdadeira possível.
Às mulheres negras que amam mulheres negras: vocês se entendem na dororidade, se sentem, se olham, se acolhem e resistem juntas. Sigam e se amem todos os dias.
“A mulher negra é a mula da sociedade, por vários anos perpetuamos esse imaginários social de que é tudo relacionado ao racismo e a destruição, que faz com que a mulher negra se sinta inferior mesmo adotando ao longo da vida diversas facetas (mudando de cabelo, tendo estilo diferenciado) a mulher negra sempre carrega o peso de ser a que representa, em um espaço, ela não é apenas uma mulher, é a mulher negra que está ali representando uma pequena parcela de pessoas”
Luciane
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